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SamuelDabó

exercícios de escrita de dentro da alma...conhecer a alma...

SamuelDabó

exercícios de escrita de dentro da alma...conhecer a alma...

20
Jul24

DEUSA DO MAR

samueldabo
 
 
DEUSA DO MAR
I
aceito o desafio

que minha amiga propôs

ao espelho a alma por um fio

até agir como os robôs
e sentir deslizar o sangue como um rio
*
II
olho a minha mão
tantas vezes dada solidária
o cabelo negro o bater do coração
acuso-me de ser apartidária
insuficiente do poder que alegra a multidão
*
III
já não estou em mim
do lado de fora a preferida dos machões
apenas vejo o fluxo dum jardim
onde me procuro a rasgo de emoções
raiva desassossego amor por fim
*
IV
ambas as mãos sobre espelho
sinto a coragem sobretudo a alma da coragem
aperto os dentes firme no orgulho
a inundar-me do meu sabor selvagem
a que não dobra o joelho
*
V
apetece-me chorar
porque me vejo na emoção do desalento
como onda atirada pelo mar
sou eu assim mesma toda pensamento
num mundo absurdo a entrar
*
VI
de súbito solto a gargalhada
procuro no outro lado do espelho a garra
esgadanho a esfinge moldada
quero afastar esta grilheta que me amarra
o riso como louca desvairada
*
VII
acalmo de mim enternecida
toco com os dedos ao de leve o meu sorriso
sou carente sinto-o mas renascida
afinal sou mulher e deusa se for preciso
amo a natureza e amo a vida
*
VIII
mimo-me faço-me caretas
toco o meu rosto de súbita efusiva alegria
toco nariz com nariz as silhuetas
de mim repentinas numa pausa ou a fantasia
de me pintar a cores sangrentas
*
IX
faço as pazes comigo
tão mais leve reposta que foi a confiança
olhos nos olhos posso contar contigo
dizes e queres abraçar o lado de lá a criança
espelho do teu ser em ti abrigo
*
X
os meus lábios quero beijar
saber-me a mim mulher tão infinita
dentro do tempo pura a desejar
que uma era nova seja por mim predita
vinda no vento ou no mar
*
XI
fazemos um pacto secreto
agora é a sério digo-me é para vencer
eu sou o mundo todo em concreto
porque vi a luz que faz a vida enfim valer
uma ideia de gente a sorrir e eu tão perto
*
XII
eis a mulher que sou à toa
visão de poeta se me assanho pior que gata
sou fêmea tigre chita leoa
defendo a IDEIA de ser maior em cada pata
para destroçar o poder que tem Lisboa
*
XIII
sim sou mulher
consciência feminina da vida e da humanidade
vejo-me no espelho reflectida a Ser
a memória dum tempo antigo em liberdade
com o futuro em mim a acontecer
jrg
 
foto jrg

POR DE SOL.jpg

 
19
Dez16

MEMÓRIAS DO TEMPO DAS FESTAS DE NATAL NA VILA ONDE CRESCI...A COSTA DE CAPARICA!...

samueldabo

MEMÓRIAS DO TEMPO DAS FESTAS DE NATAL
NA VILA ONDE CRESCI...A COSTA DA CAPARICA
***
Na vila da Costa da Caparica onde eu cresci, todos os anos pelo natal toda a gente estreava uma roupa nova...todos menos os filhos da Aldigundes porque eram duma pobreza extrema...havia arroz doce na mesa, filhós e rabanadas caseiras...e um brinquedo, nem que fosse de de madeira grosseira ou de lata com pintura esborratada...
*
Matava-se o Perú que todo ano se alimentara de minhocas e grãos no juncal...às vezes de restos de hortaliças...porque era o dia de comer carne em terra de peixe farto...
*
Lembro aquele natal em que, como habitualmente, não esperava ter os presentes dos meus sonhos de menino...noite dentro ouvi as vozes da mãe e do pai num sussurro de mistério...a noite era fria mas a curiosidade aquecia-me o corpo e a alma impacientes...
...

A Gisela.jpg

O João Paulo.jpg

 Estes da foto são a minha mãe natal e o meu pai natal

...
Foi no ano em que descobri que não havia pai natal...que afinal era o meu pai quem preenchia o sapatinho à meia noite com a prenda que podia comprar...acordei o meu irmão após o silêncio que indiciava que os pais se foram deitar e fomos junto à
árvore de natal onde tínhamos colocado as botas de cardas... vimos que as botas tinham presentes...e quando nos preparávamos para os desembrulhar, ouvimos a voz do pai a mandar-nos deitar...
*
A noite passou tão lentamente que doía de tanto imaginar o que estaria dentro daqueles embrulhos compridos que não se pareciam com nada...sonhos e pesadelos alimentaram o pensamento adormecido...voltas e mais voltas na cama de folhelho .*
Enfim era manhã...já o sol entrava pela janela e ouviam-se vozes vindas da cozinha...corremos para a árvore...cada qual à sua bota...rasgámos o embrulho...e... a nossos olhos deslumbrados, um revólver que parecia de verdade, grande, de cano
comprido, com o tambor cheio de balas e que rodava...um gatilho que ao disparar fazia um estalido seco...tal qual como os dos filmes americanos que, à socapa, já começáramos a ver...com coldres e tudo...o cinturão...não...não era sonho...
*
Só muito mais tarde é que aprendi o verdadeiro significado do natal e de como havia muitos mais filhos de Aldigundes que não estreavam roupa nem recebiam presentes...

Mas pronto...é uma tradição festiva...trocam-se presentes e comem-se iguarias...juntam-se famílias...algumas desavindas aceitam as tréguas e no calor do álcool até trocam abraços e sorrisos...por um dia descobrem a paz e o amor que trazem
escondidos o ano todo...
*
Amanhã é já outro dia e uma semana depois um ano novo...renova-se a esperança...acicata-se o ódio...a indiferença...mas há sempre alguém que se passa
para o lado do amor...um dia seremos humanidade a sério...acérrimos defensores da nossa dignidade humana e da dos doutros...para que ninguém fique do lado de fora da
festa...de todas as festas...um dia em que não haja guerra nem terror sobre os inocentes...
*
Boas festas para todos e activem a consciência...por um novo Humanismo!...
jrg
PS:
Obrigado meus pais Natal por me incentivarem a sonhar!...jrg

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