MEMÓRIAS DO TEMPO DE GUERRA - SEXO E PERCEVEJOS
Dolorosa era a noite no silêncio da caserna repleta de cheiros e de mosquitos, acordara sob um pesadelo em que se via a ser comido por bichos e insectos em euforia de carne fresca, suculenta. Sentiu mesmo o deslizar de patas sobre o corpo e instintivamente defendeu-se com palmadas ás cegas, por onde os sentia. No escuro levou a mão ao nariz e deu um salto da cama, cheirava a morte...
Acendeu um isqueiro e viu as patas em movimentos loucos no lençol de pano cru, eram percevejos. Que merda!!!...
Despertou, já não havia sono que o deitasse na tarimba infesta. Pensou em Alexandra e embrenhou-se no sono dela, à procura de ser sonho, de algum modo estar nela, ser ela.
Foi ás latrinas em frente da caserna, o cheiro a creolina já não o incomodava tanto e ao pensar em Alexandra, nos aromas que trazia na memória, aromas do sexo, da pele macia, da boca fresca e quente, ia-se masturbando deleitosamente, como se fora ela a sua mão fechada sobre o sexo dele. Manuel António...os movimentos da mão, as contracções do corpo, a mente contraída num desejo de voar, que contornasse a mentira que era estar ali.
O aperto final, o jacto de esperma se soltava enérgico, como se fora um seu filho que ele abortava de uma forma inglória, numa cópula sem fêmea, sem troca de afectos, para ele só na sua solidão por um momento.
Permaneceu na latrina mais alguns minutos, o corpo dormente mas liberto de novas energias, o esperma nas mãos, elástico, cheiroso de si, podia ser um seu filho....
Voltou para a entrada da caserna, havia alguns que ressonavam, outros falavam alto, ou murmúrios das almas despertas, algures alguém se masturbava, sentia pelo arfar entrecortado da emoção do desejo.
Acedeu um cigarro e sentou-se no patamar da entrada. À noite havia uma aragem mais fresca ainda que densa e tensa. A Magia da noite e em África, onde tudo era mistério, desde os olhos luzidios e doces das crianças. Apenas o motor do gerador, agora gritante, numa evidência de estar ali, de ser um estorvo ao livre desenrolar dos seus pensamentos.
O Francês, chamavam-lhe assim porque estava emigrado em França, viera voluntariamente para não ser considerado desertor, também ele incomodado pelos percevejos, ensonado, discreto, aprendera em França que esta guerra era suja, uma mentira da história.
Ambos a percorrer memórias recentes e mais antigas de antes deles, de outras guerras, a imaginar em que condições viviam os combatentes, as grandes caminhadas, a alimentação frugal, alistados à força como eles próprios, seduzidos pelo saque numa eventual vitória, condenados à morte quando perdiam...abandonados se feridos com gravidade.
Que merda, esta e qualquer outra guerra.
De manhã, logo após o toque de alvorada, o sol nascente ainda morno, mavioso de cor e luz sobre os telhados de colmo da tabanca, a mata luxuriante em fundo, tirou o colchão e colocou-o ao sol encostado à parede da camarata. Afinal, era uma infestação total, os colchões regados com creolina, uma limpeza mais acentuada na caserna.
Faltava uma semana para ir à cidade tratar dos dentes. Voltar a ver um pouco do mundo de onde viera...