MAMÃ PORQUE SOU PRETA SE TU ÉS BRANCA?
O pai de origem Indiana, estatura média, magro, o cabelo ondulado, negro e os olhos mistério dos longes deixados, escuros, cintilantes e sempre agitados, como se temessem o ar que circunda à volta de si, a pele escura, geneticamente negra.
É especialista em medicina molecular. Estava em Moçambique quando se deu a revolução que o levou a ter de escolher entre ficar e partir. Escolheu partir, por não acreditar nas novas classes dirigentes, por temer as convulsões inerentes à mudança, por um desejo de aventura. A Europa...
E veio e conheceu a mãe, uma mulher linda de cabelos castanhos e pele morena, olhos castanhos escuros, um sorriso encantador, o corpo de formas harmoniosas, afável.
É especialista em medicina familiar e enamorou-se deste homem belo, que conheceu num simpósio sobre: Novos Contributos da Genética Molecular para a Medicina.
Apaixonaram-se, misturaram culturas, casaram e tiveram uma menina exóticamente bela, saída deste amálgama de genes tão distantes, e tão geneticamente próximos.
A menina tinha a pele escura e uns olhos escuros desmedidos no rosto pequeno, mas belos, únicos. Cresceu e foi à escola. Era inteligente. Absorvia tudo o que ouvia, via e escutava, mas tinha um olhar triste. Sentia que não era igual aos outros meninos. Não era preta nem branca, era escura, mas de um escuro indefinido e via nos olhos pasmados dos outros meninos uma interrogação muda, um olhar estranho sobre o seu corpo, como se fosse um bicho raro, ou tivesse uma doença exposta que a definisse como ser imprópria para brincar as mesmas brincadeiras dos outros meninos e meninas.
Um dia eles, os colegas da escola, riram-se espalhafatosamente quando chegou e chamaram-lhe um nome diferente:
-Monhé! Preta Monhé!...
Ficou aterrada, petrificada de onde ouvira em tom jocoso, do lado de fora do outro mundo que era o deles. Baixou os olhos lindos e grandes que choravam em silêncio. Foi assim que a encontrou uma professora que passava, que repreendeu os meninos e meninas com uma voz suave, mas firme.
Na aula o tema foi as origens do tom da pele e o respeito pelas diferenças. Os meninos e meninas foram convidados, à saída, a dar um beijinho à menina e a pedirem desculpa pelo seu acto. E a menina acalmou. Acalmou, mas não esqueceu.
à noite, na sua casa, quando os pais e ela se sentaram à mesa para o jantar, a mãe já estranhara o misterioso silêncio dela, sempre tão alegre quando chegava da escola, como se entrasse num reino seguro onde se libertasse dos medos.
-Mamã, porque sou preta se tu és branca?
Os olhos grandes, muito abertos, fixando não a mãe mas o pai, um trejeito nervoso nos lábios carnudos de menina.
Olharam-se todos num silêncio de gritos assustados. Como se tivessem percebido agora, ele e ela, o pai e a mãe, que falhara algo na comunicação deles com a menina. Mas então e o colégio, um modelo de educação e ensino em que confiaram?
-Minha querida, a cor não importa. O importante é o saber. Sermos diferentes...
-Não!, Disse a menina, não quero ouvir essa explicação. Já a ouvi hoje. Queria apenas saber se era verdade ou se havia outra explicação. A culpa é dele!
Apontou o pai que assistia à cena com um ar apavorado e carente de amor, do amor daquela filha que amava e que esquecera na luta pelos outros.
-Não quero viver mais com ele!....
E correu para o quarto, chorando, a menina exóticamente bela de olhos grandes, escuros de mistérios de longe.