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SamuelDabó

exercícios de escrita de dentro da alma...conhecer a alma...

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13
Fev08

MEMÓRIAS DA GUERRA (E)

samueldabo

Inicio de Outono, cinzento e confuso, com um sol medroso e ténue a querer romper nuvens compactas que se avolumam em catadupas de espuma.

Desde os primeiros alvores, ainda a neblina cobria a pequena cidade interior, os homens afadigaram-se carregando a bagagem nos carros de transporte, verde guerra.

Para muitos era a primeira grande viagem que faziam . Para alguns era a Pátria em perigo que os chamava ao cumprimento do dever. Para alguns outros, poucos , era a desgraça de uma vida em expansão , cortada no limiar da subida, calçada íngreme, rumo a um mundo de acasos imprevistos, perdidos na irracionalidade duma guerra de e por interesses que não que não albergavam em suas mentes abertas.

Manel António, o rosto magro, macerado pela insónia consentida, povoada de  imagens absurdas, a imagem de Alexandra, menina bonita, o seu amor que doía nas entranhas, um amor absoluto, denso. Em frente.

Foi curta a viagem até ao comboio, uma imensa lagarta de muitos pés que os levaria, pachorrentamente, até ao cais de embarque. Para onde vais? Para onde vamos?

Houvesse uma força poderosa onde acoitar-se. Fugir. Nem Deus nem o Diabo. Há muito deixara  os caminhos míticos . Só o homem pode salvar o homem. O homem é o fim. Abrir mentalidades.

O comboio, ás vezes, apitava. Um silvo agudo que trespassava o cérebro afoito na construção dos cenários possíveis e que sempre terminavam num fim feliz . Vencer! Chegar!

Uma multidão de gente, pais, irmãos, amigos, filhos, amores. Gente com lágrimas.

Alexandra, meu grande amor. Um perfume a pinheiros e maresias.. Um sorriso de confiança. Vencer!  Chegar! E começar tudo, não de novo, mas do ponto de partida. Como se o que vai haver, não houvesse. Colocaremos aqui uma virgula e em breve, 18 20 24 meses, os que forem, reataremos o período longo que concebemos um dia.

As pessoas movimentavam-se inquietas, beijos e abraços de despedida. Apresentações. O choro convulsivo das crianças de olhos incrédulos. As senhoras do M.N.F.distribuindo lembranças. O apito do barco. Imenso. Os lábios que não queriam desligar. Sofreguidão. Angústia.

Do alto da amurada do navio, os olhos fixos na imagem que já era sonho. Os três apitos. A largada. A cabeça a estalar. Os acenos de mãos e o rumor de vozes e choros. A Barra. A multidão já difusa. A cidade que vai desaparecendo do alcance e o mar.

Para muitos, era a primeira vez que viam tanto mar, habituados a rios e riachos. Havia na minha terra, junto à costa, velhos pescadores que acreditavam não haver mais nada para lá do mar. O mar é o fim do mundo.

Foi dum país , com um povo assim, que partimos. Hoje. Outono cinzento e denso.

O navio tinha três classes e o porão, para alojar cerca de mill homens. Uns mais homens que outros.

A Manuel António calhou o porão

O porão do navio adaptado a dormitório de cabos e soldados era Dantesco. Indescritível .

Quando mais tarde, em África, encontraram algum Baga-Baga , destruído,poderam fazer a comparação.

Os homens moviam-se como formigas. Não tão lestos. As camas em beliche, madeira escurecida e húmida. A última, rente ao teto, emparedando as ideias. Corredores estreitos, não fosse a manada magoar-se. Com o avançar do tempo, o enjoo, vómitos. Cheiro nauseabundo. Corpos mal lavados. Mais vómitos. O teto ali rente aos olhos. Loucura.

Manuel António e alguns outros, procuraram abrigo no tombadilho. Ah! O mar. Nascido e criado junto ao mar. Lá, onde a terra acaba. Alexandra.

 

 

 

registed By: Samuel Dabó

 

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