E VIERAM AS TÁGIDES
Vieram de madrugada, as Tágides, e inundaram o meu sonho até então num emaranhado confuso, tornando-o mais fluente e limpido de contornos racionáveis, a deixar-me pairar nas nuvens dos desejos.
Havia grandes precepicios, entre altas montanhas agrestes e despidas de vejetação. No fundo, algém que me é querido, muito querido, um ente de feições descarnadas pela dor e ao cimo da montanha a salvação.
Eu a meio, impotente sem meios que me valessem para chegar à base da ravina, e ainda que chegasse, como alcançar o cimo , a perfeição?
E dei por mim a descobrir que voava. Não com asas como as aves da minha imaginação, mas com um simples movimento dos braços e das pernas em conluio.
Desci logo, a ver-me, como se nadasse. A ver a minha alma desprendida. Chegado ao fundo, que é onde a desgraça sempre bate, peguei o corpo inerte e quase descarnado. Pele e osso.
Os olhos abertos num espanto de quem acha em última instância a salvação.
E oiço as minhas próprias palavras ciciantes.
-Sou eu meu amor, aquele que te projectou muma ejaculação de Primavera, com tanto amor que te perdeu . Venho colher-te, porque tu és meu, queira ou não queira o papão.
E pegando nos meus braços, repentinamente imensos de força, o corpo a renascer de vida, inicio a subida ingreme, num esforço de marés vivas, contra o tempo incerto, a alma que pode voltar ao lugar de onde havia saído.
A meio, uma lufada de ares contrários desvia-me a tragetória. O suor escorre-me nas faces geladas pela euforia da subida agreste. Dou uma guinada. venço o vácuo que queria abater-me e mais a minha carga.
E num salto de gigante, numa última investida da alma agitada que ameaça voltar à matéria , galgo os silvados de picos agudizantes, a árvore altiva de ramos dispersos, a pedra sinuosa que proteje a plataforma firme e segura e deposito o corpo que de imediato renasce, ganha carne, cor e movimento.
E nisto, o sonho, se era sonho, acaba. E volto atordoado, abanando os braços, a ver se era verdade que voava.