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SamuelDabó

exercícios de escrita de dentro da alma...conhecer a alma...

SamuelDabó

exercícios de escrita de dentro da alma...conhecer a alma...

25
Jan09

BATATAS FRITAS - MEMÓRIAS DA GUERRA

samueldabo

Do regresso da cidade, a lancha aportou a um aquartelamento intermédio, porque viajar de noite não era aconselhável. Qualquer luz seria um alvo fácil, ou porque a tropa não estava disposta a horas extraordinárias.

Manuel António encontrou um amigo, um condiscipulo de escola de vila, de pescarias no juncal junto ás dunas. Há quanto tempo? Uma eternidade todo o curto tempo decorrido e ainda o fim não se pressentia, se é que havia fim ou tempo, ou apenas o verde das arvores frondosas palmeira que respiravam do alto de onde talvez se visse o mundo, o outro mundo de onde viera e deixara uma parte importante da alma.

Partiriam de manhã ás 6. Passou o dia em volta do rio, as crianças brincavam com canas, pequenos pedaços de madeira que serviam de barcos, corriam sem sentido em volta de si, em volta dum tempo que tardava. As barrigas inchadas sobressaindo do corpo esquelético. Os olhos de um escuro de abismos recônditos. As carapinhas sem brilho, cobertas de poeira, de terra amarela .

Comeu ostras, bebeu vinho, conversou até tarde e adormeceu na cama que lhe destinaram.

Acordou já o dia ia alto, o coração palpitante, tivera pesadelos, mortes, a sua própria morte e a aflição para sair da morte,  o debater do corpo, ou não, seria a alma, porque ele via o corpo envolto na mortalha, um pano imenso, branco,  manchas de sangue e vultos que se guerreavam na disputa do corpo dele e algo, uma força que se colava ao corpo, que se pressentia nele e de repente um dos vultos desvia-se da alma e corre para o corpo, para o cortar, o dividir...foi quando acordou, se mexeu, se procurou ainda imerso na névoa do sono e viu que  era dia de sol nascido, correu à porta e já não viu a lancha da Marinha que o levaria a casa, à sua casa de ali, de estar longe.

O coração bateu com mais força, suou, temeu-se de ser castigado, dado como desertor, julgado em conselho de guerra, condenado.

Lembrava-se dum camarada que abateu um jagudi. Os jagudis eram abutres preservados como reserva animal natural e preciosa. Eram uma aves de porte altivo, insensível, que espreitavam na copa das árvores uma oportunidade de corpo apodrecido. Evitavam a decomposição dos corpos  a céu aberto. As cabeças enormes, depenadas, os bicos curvos, poderosos. Os olhos sobressaídos, sanguinários. Constituíam uma visão tétrica do ambiente. Dera-lhe um tiro, um só tiro e a ave enorme abateu-se no solo.

Foi condenado a um mês de prisão e aumento do tempo de permanência. Vi o choro dele, convulsivo, quando recolhia à cela.

Manuel António, fez um gesto largo com os braços e apresentou-se ao capitão, que adormecera, se esqueceu de pedir a alguém que o acordasse, a quem?

O Capitão mandou informação para o outro quartel e ficou resolvido que iria na próxima lancha, mas só havia outra dentro de seis dias. Sem castigos...

Os dias passados sem nada para fazer, ás voltas em volta do quartel , as brincadeiras dos miúdos sempre iguais, monótonas, apenas os ritmos do pilão o distraíam um pouco. O batuque e a cantoria. O amigo convidava-o para comer ostras. os dias iam compridos dilaceravam-lhe a saudade. Alexandra. Podia apenas mandar-lhe os aerogramas, cartas oficiais oferecidas, mas curtas para o tanto que queria escrever. Estava doente com paludismo. Febre, enjoos, alucinações..

 

"Meu amor, minha vida.

Fiquei retido neste aquartelamento porque adormeci. O meu cérebro, a minha alma, não param de me recriminar por este deslize. Estar lá, no local onde estão as minhas coisas, as nossas coisa, e os amigos que são uma família que já não dispenso. As tuas fotos estão lá, não vou receber as tuas cartas de uma semana inteira, eu escrevo-te daqui e vais sabendo noticias, eu lerei todas juntas quando regressar.

Apanhei paludismo. Isto é irritante e deixa-me carente de mimos, estares aqui e poder mexer nas tuas maminhas, cheirar tudo de ti, meu amor. tenho o cheiro do teu sexo nas minhas narinas, não suporto isto sem o teu cheiro. És toda e tudo na minha vida e eu amo-te e quero viver para ti, para o momento sublime do nosso reencontro...

Esteve três dias na cama, febre e vómitos, enjoos ao cheiro da comida, nem a sopa, apenas rodelas de ananás em calda e água. Água para tomar os comprimidos de quinino. A imagem de Alexandra, tão linda de dentro dele em delírio, o cabelo curto, negro o rosto redondo e os olhos grandes, belos e tão brilhantes de amor. O corpo dela , corpo miúdo, airoso, o andar dela. Tudo nela o encantava, mas o cheiro, o aroma do sexo excitado pelas carícias dos seus dedos.

A lancha partia no dia seguinte, ás seis da manhã. Pediu a vários, aos sentinelas que seriam rendidos a essa hora, que o acordassem.

A lancha de cor cinzenta tinha uma tripulação de seis homens, com o comandante. Uma metralhadora pesada de balas  tracejantes. Tudo era cinzento, um cinza azulado. Chegariam a meio da tarde.

Manuel António estava mais magro, os três dias sem comer praticamente nada, por fim até enjoara as rodelas de ananás em calda, apenas a água. Sentia fome, uma fome sem sustentação e foi comendo da ração de combate que lhe haviam distribuído.

Era ele e outro, da tropa geral, tropa macaca, encostados à proa chata da lancha. Em frente os marinheiros sob uma espécie de coberta  a prepararem o almoço.

Manuel António, os olhos fixos nos preparos, no tipo de comida, o fogão com uma frigideira onde colocaram batatas a fritar.

Á medida que iam fritando as batatas exalavam um aroma conhecido há muito refundido na memória. Batatas fritas!...

Os marinheiros olhavam na direcção deles, os dois da macaca que mastigavam o sem sabor da ração de concentrados. Os olhos fixos na distância que os separava 6 a 7 metros, talvez, olhos que não se liam. O cheiro a batatas fritas intenso.

_Talvez eles nos ofereçam de comer, somos só dois...

_Talvez...disse Manuel António.

Os outros foram comendo o delicioso repasto. A lancha navegava pelo meio do rio por entre a luxuriosa vegetação de ambas as margens. Ás vezes soltavam gargalhadas. O sol a pique queimava. Os olhos amorteciam a ilusão de comer algo que não comiam há muitos meses. Batatas fritas...mas não comeram

 

 

25
Dez08

MEMÓRIAS DO TEMPO DE GUERRA - NATAL!...

samueldabo

Todo o mês era palco de cenários imprevisiveis. Era habitual que o adversário bombardeasse os aquartelamentos nesta quadra a que dávamos  grande valor histórico e religioso.  Era uma forma de pressão psicológica sobre as nossas mentes frágeis, desgastadas pela ausência, queimadas pelo sol e pelo vinho, queimadas pela saudade, pelos sonhos adiados e os desfeitos, traídos.

Manuel António acabara de receber um montão de cartas de Alexandra, que ia passar a noite de Natal a casa dos pais dele, ela e as irmãs, a mãe e o pai. Eram palavras doces de menina apaixonada, a dar-se ares de forte, que o próximo Natal já seriam eles, ela e ele, a decidir a amplitude da festa, se romperiam as tradições...

Tinha saudades do frio, do cheiro forte e doce do cio dela, ou da menstruação que antecedia o cio, nas noites quentes de Inverno, a cabeça deitada nas pernas dela que se entreabriam e o perfumavam desse aroma subtil que que lhe revolvia a mente em momentos sonhados, apetecidos.

Em volta da parada, o aparato dos homens que aguardavam a sua vez de gravar uma mensagem de Natal, o estúdio improvisado, gente limpa, barbeada, sóbrios e aprumados nas fardas de saída, a boina castanha, o sorriso amarelado. Dizer as palavras que alguém, num tempo ainda útil, estaria vivo?...Ouviria de sua própria voz e rosto, os que eram filmados. Outros seria só a voz via rádio, que a tv era de custos mais elevados.

"Queridos pais, mulher, ou noiva, irmãos, feliz natal, nós por cá todos bem"

A Manuel António fazia confusão este "nós por cá todos bem..."porquê nós?!...Talvez porque só uma minoria tinha o tempo de o dizer e falava em nome dos outros, mesmo dos que tinham do natal uma ideia diferente, mesmo os que tinham morrido..."nós todos por cá..."

Ouve-se, nitido, o som de uma saída de morteiro. Soa o alerta geral e a formação solta-se espavorida, correndo nas diferentes direcções que todos sabiam.

Manuel antónio correu à vala mais próxima onde havia uma metralhadora pesada, a fita dourada em evidência, o pó, os impropérios em forma de grito..."filhos da puta..." Um momento de silêncio, corações apertados na caixa torácica, e o deflagrar estrondoso da ogiva de morteiro em plena parada, agora deserta.  Mais duas deflagraram fora do arame farpado da linha de defesa, uma outra em plena Tabanca.

O Major de artilharia mandou que apontassem os obuses na direcção que lhe pareceia a correcta, de onde era costume que o adversário montasse o seu sistema de fogo e sairam, pesadas e mortiferas duas e mais outras duas granadas de ferro e fogo. E fez-se silêncio, um silêncio demorado e tenso em volta e de dentro de cada um dos entricheirados.

As gravações continuaram por mais dois dias "...nós por cá todos bem..." Do ataque morreu um soldado e duas mulheres da tabanca, dois outros foram evacuados para a cidade e duas crianças, com estilhaços pouco profundos.

Manuel António escrevia a sua carta diária, e contava dos pássaros multicores, a harmonia dos sons dos seus cantos de paz, contava dos macacos que rompiam a folhagem com gritos estridentes, do seu Natal, o dela Alexandra e o dele, onde caberiam todos os Natais, não como uma festa endeusada, mas como uma manifestação de amor  colectiva, sem a magia paternalista do Pai Natal, amor são, da alma, perdurando o ano todo, e para além dum limite de tempo. Amar...Falava de amor, de como amava o corpo dela e toda  alma que se elevava no espaço para além deles. Os lábios saudosos de beijos. Os olhos de onde a profundidade..."Amo-te", escrevia e deixava que rolassem lágrimas de dentro dos seus olhos.

A noite de Natal, no quartel, foi cedo e rápida, o rancho melhorado, um cabrito "atropelado  sem querer", dada a dificuldade em compar carne aos Africanos, outro comprado, porque saíu manco do acidente. A avioneta com os víveres, bacalhau e couves, atrazara e só faria a entrega no próprio dia de Natal.

Manuel António tinha mandado vir uma encomenda com brinquedos da sobrinha, já usados e outros, para dar ás meninas da Tabanca. Esperava que viessem nesta avioneta,. Ansiava que viessem...

À justa, o alarme tocou no limite da refeição. Atropelam-se os medos, redobram os gritos, a correria aos abrigos, o estrondo dos rebentamentos, todos fora do circulo do quartel. Pequenos silêncios exasperantes entre cada rebentamento e foram dez.  As frontes latejantes.Mais um longo periodo de espera e nada. Noite alta...

 

 

12
Nov08

O VELHO E A MIÚDA-ESBOÇO PARA UMA HISTÓRIA COMPRIDA

samueldabo

Estou exausto. Há horas que dançamos no frenesim das luzes que rodopiam em volta de nós. A música é um som longínquo, dançamos ao ritmo dos corpos que, como nós, balançam e oscilam entre si. Alguém capta o som da música e o transmite em sucessivas ondas de sensibilidade corporal.

A espaços de tempo emborcamos mais uma caipirinha. Foi a nossa escolha em simultâneo, talvez pelo, fascínio dos granulos transparentes, do acre adocicado , do leve fluido de álcool que não chega a toldar-nos de todo, nos mantém lúcidos de nós, da nossa evidência de sermos nós e não um estereótipo de nós, uma alienação incontrolável.

_ A minha mãe é uma cabra. Ás vezes penso que não me queiram, que fui um aborto falhado. Depois da minha irmã, logo eu, de novo, uma ratinha atrevida.

Peço-te que não abuses da bebida. Estou cansado e poderei não ter forças para te arrastar. E tu dás uma gargalhada. Tão bela quando te ris da forma como o fazes neste momento. Ris-te do que eu disse e do que tu disseste, da minha cara surpreendida. A mãe..

._É verdade que o meu pai não é melhor que ela. Gastaram uma pipa de massa com o meu joelho, um tipo que conheciam...cirurgião e pêras...mas os afectos, o amor intransigente pela filha que eu sou ou era, já não sei nada, não os senti. E é isso que faz de mim este ser perdido da realidade, a esmo de acasos, sem um perfil definido para ser. Sem a confiança plena para ousar transpor o rumo a que me acomodei, invertê-lo, traçar de novo uma nova hipótese.

Disseste tudo isto ao ritmo da dança. Posso ver a cicatriz do teu joelho, tão saliente  da coloração da tua pele original, sobressaindo da saia curta que trouxeste em homenagem a mim, porque gosto de te ver de saias. A roda que se move em círculos e deixa que te veja as pernas belas quase até ás coxas. O teu feminino. Seres bela no teu feminino, porque me fazes sentir belo. Viver em sintonia com a beleza.

_Ameio-o, era o homem da  minha vida. Disse mesmo para mim própria: "serás o meu marido para sempre, sinto-o." E vivemos o sonho de nos amarmos em absoluto. Senti-lo na sua totalidade, dentro de mim, em volta e por sobre o meu corpo. Os sexos a absorverem-se em êxtases de paixão.

Fazes uma pausa, os teus olhos brilhantes, os lábios húmidos. Penso que gostava de beijar os teus lábios, de os sentir saborosos em mim. Estás sentada, esplendorosa e sorridente. Os teus lábios húmidos. os joelhos a descoberto e de entre eles a cicatriz. A coberto dos corpos inclino-me e beijo-a, a pele luzidia, como uma marca indelével para toda a tua vida. As luzes esbatem no meu rosto suado e dão-me um ar fantasmagórico e tu ris, lançando o corpo para trás, sem pudor, em gargalhadas de cristal que de mistura com a música assumem um som doce e suavemente belo.

_O tipo não aguentou a responsabilidade de sermos um projecto só nosso. Talvez fossemos demasiado novos, estiquei-me, avancei um espaço de tempo que não era o adequado, saltei um hiato, atasquei-me perdida e só, porque fui muito criticada por esta minha vivência e mandaram-me desenrascar, sair dela com a mesma maturidade com que entrara.

Está abafado na sala ampla, mas repleta de corpos, de vozes e sons de músicas afrodisíacas, ou simplesmente atípicas de rótulos, porque o som não conta, o som são as batidas do álcool nas têmporas latejantes. Sugiro que saiamos um pouco para junto do rio. 

E tu vens, airosa no teu corpo de menina, tão deliciosamente bela. Há uma brisa fresca que escorre da noite e por cima de nós, toda ela imponente de luz, a Lua cheia que nos olha e parece que se ri. Posso ver os contornos que nos induzem uma expressão de mulher, porque é o que eu quero ver nela, nas sombras que traçam os olhos, a boca, o nariz.

Pergunto o que andaste a fazer pelas ruas, amargurada de quê? Quantos homens abusaram do teu corpo? Quantos te conspurcaram a alma?

_Não quis voltar para casa, ou puseram-me na rua, ou tinham-se separado, minha mãe vivia com outro homem e eu não queria coabitar com estranhos. Não sei bem, foi um período confuso, estranho e doloroso até que levantasse de novo a minha estrutura, um pouco de corpo, um pouco de alma, e persistir, inverter o sentido fatalista da coisa, da vida, sabes como é!...

E eu não sabia, ou não queria saber. O teu cabelo negro sobre os ombros de onde vislumbro a alça que o prende, ao sutiã, que segura as tuas maminhas redondas, mimosas, botões de rosa despontando do teu corpo magro. Frágeis e tão poderosas porque és tu na tua sensualidade plena e movem-se com o teu arfar, tão suavemente como a brisa fresca da madrugada sobre o rio sereno.

_Agora tenho uma casa, só minha, onde me habito com as minhas preciosidades e só entra quem eu convido, quem eu quero. Mentiria se te dissesse que não sinto a falta de um amor sério, um amor de verdade que me aquecesse nas noites frias da alma, que me impulsionasse nos momentos de desânimo.

Digo-te que sim, que sei ou sinto isso de ti, que na realidade da tua juventude, ter alguém a quem chamar amor. Teu amor. Dizeres a palavra :amo-te, é uma falta com a qual não sabemos lidar. Podemos dizê-lo em abstracto, ausentes até da presença de um outro em nós, mas poder dizê-lo e estar ali, na nossa frente alguém que nos olha, que nos surpreende a palavra na hora, ou momento em que sai, se torna uma forma de estar, de querer, de ser. Alguém que nos afaste a ideia de solidão que nos persegue. Não ter nada nem mais ninguém. Sou!...para quê, para quem? ser capaz de ser para mim, se ser eu para mim. É muito fácil de dizer aos outros. Mas não podemos abandonar-nos. Somos os últimos guardiões de nós mesmos. Somos a mola, o motor, a razão

_Achas mesmo que alguém um dia se interessará por esta pobre de Deus. Sem cheta nem um sentido estético da e para vida? Que faço eu para ter o direito, ou a benesse de ter um pouco mais de conforto, partilhar o que em mim ferve, ter filhos, experienciar que nada me afectou o sentido da maternidade, que nada me afectou o sentido de ser uma boa companhia de projecto?

Conto-te a minha história , de como tudo começou de repente e a partir de um acaso, que se calhar não era um acaso ,mas uma congeminação  de factores que criaram as empatias factuais, que nos fizeram olhar de uma forma diferente e determinada direcção. Digo-te que são incontroláveis, imprevisiveis as nuances de nos estar a acontecer o impensável, de todo em todo.

O luar sobre o teu rosto circunspecto. Peço-te que não estejas apreensiva e dou-te a mão para que retomemos o caminho de regresso. Deixar te.ei em casa como combinámos. Foi um sonho diferente, o desta noite e o rio, ao longe ainda o mar. Um dia destes levo-te no meu barco e pescaremos robalos à linha. Confia em tudo de ti, a tua sabedoria é o teu Norte.

_E como é que se faz?...Há quanto tempo não como peixe?...

A tua voz era já um fio de som em fase de abandono pelo sono. Olhei-te pelo canto do olho, tão jovem, tão bela, tão virtuosa.

Minha amiga

 

18
Out08

MEMÓRIAS DA GUERRA - MATAR OU MORRER!...

samueldabo

Vaga lumes luziam em silêncio por entre o capim de hastes delgadas e cheiros impertinentes que se alojavam nos corpos e no interior de cada um, como um estigma de amor.

As botas enterravam-se na água lamacenta das bolanhas vazias de arroz, talvez densamente povoadas de repteis e outros anfíbios ou semi anfíbios, ou peixes sem nome e de outras pequeníssimas espécies de habitantes aquáticos, que fugiam espavoridos a cada passo e ao ruído surdo do chap chap cuidadoso de cada passada.

Eram duas longas filas de homens que se entregavam aos mais variados pensamentos, entre a atenção sobre a  floresta escura,  e algum ruído indissociável do perigo que pressentiam avindo da sua densidade impenetrável.

Manuel António seguia na fila da esquerda, a mais distante da orla da mata. decidira não fazer a barba. Tomara o banho antes de se deitar e escrevera uma carta longa para Alexandra. Não uma despedida, mas uma carta densa de amor de projectos ao porvir. O filho que queriam ter. O filho deles, varão. Queria um menino, não porque desgostasse de uma menina, mas tinha receio de não ser capaz de a educar.

Atrás dele, o Fátima, sussurrava Pais nossos e Avé Marias, um rosário entre o gatilho da espingarda  e a mão que segurava o cano, junto ao carregador de munições. A voz pastosa quase inaudível, uma ladainha.

Na sua frente, passos trôpegos, gingando ora para um ora para outro lado ao peso das granadas de Bazooka, e do bagaço que ingeria sempre que havia uma operação de combate, o Cortegaça, espalhafatoso na parada do quartel ,barafustando contra tudo e todos, agora mudo, congeminando sabe-se lá o quê ou contra quem.

Estropiados. Nenhum deles queria sair dali estropiado. Antes morrer. E iam ficando, sem o saberem, sem darem por isso a cada estremecer do coração, ao estalido vindo da mata, ao riso súbito, aviltante, dos macacos despertos pelo cheiro humano irrompendo pelo seu habitat. Seguiam o trilho que alguém erudito traçara com nuances hipócritas de ser  o melhor para os homens, o mais seguro e capaz de surpreender o inimigo. Um risco sobre o papel rijo e amarelado do mapa e de onde sobressaía a mancha verde da floresta e o local exacto do acampamento ou aldeia a destruir.

Manuel António é um pacifista. Não quer matar. Não quer destruir o lar de ninguém.  Aceitou de si, vir por amor. Acreditando que era possível vir e voltar sem que tivesse ocorrido nada do que temia, matar, por exemplo. Não pensava na sua própria morte, mas o acto de matar um outro ser que ele admirava, que ele amava e a quem não podia dizer uma palavra se se encontrassem frente a frente. Era matar ou morrer, sem uma palavra. O mais rápido, o menos surpreso, o sangue mais frio, ou o dedo mais hábil. Matar ou morrer.

Sentia as lágrimas ofuscar-lhe a visão.

As pernas começavam a pesar, de molhados, os uniformes ganhavam uma pressão intransigente  sobre as pernas. A noite ainda densa e eis que se chegam ao local do assalto. Os homens são dispostos ao redor da aldeia para que não escape nada nem ninguém. Casas de  lama e capim. Uma clareira castanha no verde da mata. África.

É dada a ordem e como uma mola, os que estavam instruídos para a tomada do objectivo, lançam-se confiantes que não terão oposição, sobre as casas de onde começam a sair animais de criação, galos galinhas e porcos. Das casas, aos gritos indecifráveis porque de dialectos tribais ou étnicos, saem mulheres de idade, crianças, velhos que vociferam contra os invasores. Ouvem-se disparos de metralhadoras de armas ligeiras, gritos de filhos da puta, cabrões e outros selváticos de dentro, da raiva de estar ali e não querer ou de gostar desta farsa de ser homem. Há fumo, labaredas que se propagam ao capim envolvente das palhotas, o choro das crianças cansadas de correr em volta. O ranho, as lágrimas ,o suor de mistura com o pó e o cisco das palhas ardidas.Imagem Dantesca no dealbar da madrugada.

Manuel António está na retaguarda , dos que fazem segurança à chacina dos bens e da dignidade de uns tantos que resolveram tomar o partido dos bandidos e observa aterrado o vai e vem dos homens possessos. Homens, como ele. Dum povo que vive amordaçado e convencido que é dono de outros povos tão longe. E pensa que é tão responsável como os que executam.

Feita a operação, trazidos alguns prisioneiros, mulheres e crianças, para servir de aviso à restante população rebelde, iniciam o regresso, constatando que não havia armas, nem gente armada, nem Turras, naquelas miseras palhotas no interior da mata.

O mesmo caminho de regresso. "Olha o papão. Deus nosso Senhor castiga-te." Lembrava-se, de quando era criança e fazia um estrago, os ralhos adultos, o olhar severo, do lado de fora e de cima de si, poderosos e ele franzino, dois palmos de gente, tremendo de medo pelos castigos...

O sol apareceu e trouxe a habitual nuvem de mosquitos sugadores dos suores entretanto expelidos pelos poros dos corpos cansados. A mesma tensão, agora acrescida pelo medo de qualquer retaliação. Os rostos têm uma cor macilenta. Os olhos salientes, as pálpebras inchadas. Manuel António é o penúltimo porque o Fátima fazia questão de ser o último. Era Fátima. Sentia-se imbuído dum espírito de protecção.

Soam tiros de costureirinha, assim chamada porque o som parecia o de uma máquina de coser roupas. Explosões de morteiro 62. Os homens espalham-se pelo chão e disparam as suas armas na direcção da mata.

Manuel António repara que o Fátima está inerte, que geme baixo e nota-lhe uma mancha negra junto ao ombro. O tiroteio é intenso. Ouvem-se gritos de perto, em Crioulo que os mandam para a sua terra, que lhes chamam bandidos. Julga ver vultos que correm tão perto e pensa que é  desta que não vai escapar.  Levanta-se um pouco para amparar o Fátima, arrastá-lo para junto do enfermeiro que, transido de medo espumava da boca seca e pastosa dum suco horrendo entre branco e castanho, sangue. Por momentos pensa que o Fátima cumprira a sua missão, o quer que fosse, bala ou estilhaço de granada, se ele fosse o último, seria ele o atingido.

Manuel António voltou para a sua posição, rastejando e de cócoras, olhos na mata e dá com ele,os olhos dele luminosos, os dentes brancos, um lenço vermelho sujo enrolado na cabeça. É um homem como ele, mas está do outro lado da vida. Grunhe palavras inteligíveis e dispara na sua direcção. Rápido estende-se e rebola no chão de capim. Ouve os silvos das balas sobre si. Angústia. os passos que se movem rápidos e dispara gritando: Alexandraaaaaaa!!!! dispara um carregador e outro que conseguiu enfiar entre tremores.

_Já o mataste!.

Era uma voz conhecida. Palmadas nos seus ombros, nas costas, os tiros ainda que se afastavam. Névoa no interior do cérebro. Saliva acre que teimava em escorrer-lhe de dentro de si

_Mataste-o pá. Porra!   O Cortegaça, já sóbrio, sem o peso das granadas de bazooka entretanto despejadas.

_Eu?!  Incrédulo, ele, Manuel António, a levantar-se atordoado, a apalpar.se e a cuspir a ver se era sangue o que teimava em escorrer de si, por entre os seu lábios. Não, não era sangue, ou era, de uma cápsula de bala que saltara da culatra e foi ver, aproximou-se de onde o comandante e outros pegavam na arma do homem que ele supostamente matara. E lá estava, as vísceras de fora, enrodilhadas entre si, o intestino grosso e o delgado e todos os órgãos à volta, macabros, numa evidência de corpo tracejado a bala. E o cheiro a carne, não de fora, mas de dentro da carne, pestilento, onde já nuvens de mosquitos se banqueteavam e em cima, por cima das cabeças deles, os abutres atentos, farejantes da morte em busca do festim. Olhou o homem de pele escura, os dentes brancos agora escondidos sobre os lábios cerrados, os olhos abertos, negros, ainda com um resto de brilho, como vidro, e em volta a córnea amarelada. As mãos abandonadas de palmas voltadas para cima, como se pedisse desculpa ou se oferecesse em sacrifício de uma causa a que Deus?... meu Deus!...

Voltou-se e seguiu em passos lentos na direcção de amigos que o sentiam  desfeito. Um esgar de dor em todo o rosto, os membros entorpecidos, névoa no cérebro e uma palavra que repetia em sucessivos estertores da voz:

E agora Manuel António?...E agora....?

 

15
Out08

SONHOS NO OCASO DA VIDA

samueldabo

A imagem dela sedutora, os olhos intensos de um brilho estranho que raiava o limiar da felicidade. Olhos castanhos, profundos, o cabelo solto ao vento de uma noite livre de outras sombras. Noite clara, como se fora dia.

Podia ouvir um sussurro, voz, ou arfar ,ou respiração afogueada por tremores do corpo em êxtase, ou pelo silêncio que induzia magias assombrosas.

O rosto belo. Como era linda!...a blusa branca descaindo sobre o ombro, deixando um ou outro a descoberto, a pele morena, canela adocicada com o açúcar do sorriso.

Sobressaindo do decote sóbrio da blusa, as maminhas, harmoniosas, dois botões de rosas cor de carne enamorada.

Levantou-se de onde me olhava, troçando de mim ,abismado pela imagem que não fazia ali, mas longe, num longe impossível, porque de fora de mim,da minha alma ainda a suturar-se das quimeras antigas.

E veio voando, ondulando no éter em movimentos lentos, os braços abrindo espaço no vácuo da memória e quando perto de mim, aspiro o teu perfume exótico e as minhas mãos procuram tocar-te, afastas-te um pouco, por sobre mim que te olho de espanto.

Reparo, só agora, que não tens pernas, nem ancas, és um semi corpo sobressaindo de um êxtase invisível na noite clara. A parte mais apurada da tua totalidade.

O teu sorrio sempre me impressionou e hoje,mais do que qualquer outra vez. É como se quisesses dizer-me: vês, estou aqui, mais pura, confiante de mim, não me fizeste nem fazes qualquer falta. Simplesmente não exististes em mim...nunca...foi tudo um devaneio.

Voltaste a aproximar-te do meu rosto e as minhas mãos, os meus braços, todo o meu corpo num impulso. Estou pesado. Não levito. Exausto de angústia. O teu perfume, os teus olhos, o teu sorriso...A sobranceria  da tua alma que me olha de cima de ti, do teu corpo semi corpo, onde a blusa branca sobressai na transparência do tecido. E digo não!, rouco, envolto em bruma, mas, não!  É mentira! Fomo-nos num simultâneo da alma. Não sabes nada da alma!

De repente, a luz reforça o seu fulgor, cega-me por um momento e quando volto a ver a imagem de ti , já não é um corpo, como o conheço. mas um interior de corpo ainda sem alma, onde tudo se mexe numa azáfama Titânica. O coração bate normalmente, as vísceras, acondicionadas no espaço que lhes compete, num aglomerado de milhões de minúsculos pontos que se interligam, as veias como turbinas que conduzem o sangue depurado, vermelho vivo. Posso ver os alimentos que comeste serem triturados pelo teu estômago. Espera, um ponto negro que se agita de um lado para o outro,como uma bola que alguém do interior de ti atirasse ás paredes finas do teu estômago, fixo-me bem, surpreendido.  E vejo que engoliste um caroço de azeitona que a máquina se prepara para expelir para outro departamento visceral. Detenho-me no coração e nas batidas compassadas, como se não tivesse existido nada entre nós, como se fosse apenas fumo sem substância, e julgo ver algo que lhe retém o pulsar constante, o acalma e impede que parta desordenado. É uma substância indecifrável que se aglomera em volta dele como uma fortaleza. Tomaste um calmante... Não te consigo chegar. Estás longe. Longe!...

E subo ao cérebro a achar de ti um outro sintoma , um vislumbre que seja do teu pensar, estou mesmo quase a chegar. Impressiona-me o cérebro, o que lá dentro cogita, tece, enreda e se transforma em acção. A mioleira. O córtex dos sonhos...

Ouço um estalido como se um interruptor se movesse a toque de alguém e desvio os meus olhos por milésimos de segundo. O que é o tempo? O que és tu no tempo? E eu?...

Acordo suado e pleno de angústia, os olhos em volta e nada que me diga se foi verdade , a minha verdade ou a tua, mas verdade, inteira ainda que possessa do absurdo de ser verdade. Se foi apenas invenção minha, ou tua, ou de alguém pérfido que nos juntou, que nos acalentou o desejo de sermos um só, em alma e corpo, numa simbiose absoluta do ser. Nada...

Apenas uma sensação esquisita de frescura, como se o desvanecimento do sonho repusesse um novo andamento a esta sinfonia imensa que construo, do abismo de mim.

28
Set08

U Í G E - A TOCA DOS RATOS

samueldabo

O Sol ainda a meio da trajectória do eixo da Terra, trémulo das nuvens que passavam por ele impelidas pelo vento e tu, meu amor, pequenino o teu vulto visto de cima, da amurada do navio, paquete de luxo, adaptado a transporte de tropas, onde de olhos húmidos e voz embargada pela emoção de te deixar, eu te fixava entre a multidão de gente que se movia numa inquietação de ver.

Tinha trazido o possivel de ti para te ter e já tinha saudades quando o navio ultrapassou a linha de visibilidade da cidade. Os saquinhos de plástico onde guardava as relíquias, os teus cabelos negros e fortes, uma madeixa que cortámos um dia antes para que o aroma se mantivesse activo por mais tempo. Os pelos do púbis, ainda humedecidos do último orgasmo quando te afagava o sexo docemente com as mãos quentes de desejos. O teu cheiro inebriante de todos os meus sentidos. O retrato onde toda a beleza do teu ser me doía de belo, de falta.

O navio tinha três classes de camarotes e agora tinha mais o porão, onde se amontoavam a maioria dos jovens feitos combatentes. A 1ª classe destinava-se aos oficiais, a 2ª aos sargentos e furriéis, a 3ª mais furriéis a alguns cabos.

O porão era para o resto da maralha. Antiga toca dos ratos, adaptada a camarata gigantesca, os beliches triplos, ficando o último rente ao tecto do porão do navio.

Subi ao meu lugar e deitei-me sobre o colchão de espuma macia. A um palmo a madeira pintada de branco que ainda cheirava a desinfectante. Fechei os olhos. O cheiro, os solavancos do navio. abrir de novo e sentir todo o peso duma pressão física omnipresente, que me comprime de encontro ao colchão, que me tolhe qualquer pensamento.  Os primeiros vómitos de quem nunca tinha visto o mar, a maioria vinha do interior profundo, da raia, poucos nesta leva vinham do litoral. O cheiro a penetrar nas narinas a sufocar a alma entaipada, desinfectante com o azedo dos ácidos do estômago, e mais o suor dos corpos e ainda havia os que só tomavam banho ao Domingo. E era uma alucinação de imagens que se instalavam na superfície da mente, empurradas de dentro, de onde toda  a revolta se fixara, atenta, aos movimentos da alma. Alexandra!... Névoa. Cheiros. O tecto branco, branco sujo quase creme. A ondulação, acima ,abaixo, para um e outro lado, chocalhando o que restava de alimentos no estômago que se insurgiam e teimavam em subir de lá, do fundo do saco, de mim obliquo, azedo, entontecido pelo marasmo agitante da toca dos ratos.

Haveria ratos algures entre a bagagem. Escondidos em alguma fresta do convés, ou nos esconsos do fundo. Dizem que o porão é a alma do navio. Imagino-os à espreita que tudo se acalme, atentos ao movimento dos corpos, aos silêncios que em absoluto cairão pela noite. Virão cheirar-me, penso, e acordarei com o roçar dos bigodes no meu rosto, ou o quente do mijo derramado na aflição da fuga. E instala-se-me  uma outra fobia. Os ratos...

Decido levantar-me e procurar refúgio em algum outro lugar mais aberto, respirável. Pelo caminho , cambaleando dos movimentos das ondas, encontro corpos agoniados que se desfazem de parte de si, até ao amarelo da bílis. Um cheiro nauseabundo, pestilento que me provoca náuseas. Desvio-me duma mancha de vómito. São orgasmos do estômago, dizem. Orgasmos dolorosos, desafiantes da nossa integridade física e espiritual.

E Deus aqui, onde paira? A quem abençoa? Alexandra!... O meu Deus é uma mulher. É dela que trago as relíquias que guardo religiosamente e que defenderei com a vida. É por ela que vou vencer, que quero vencer e esta é só a primeira provação.

Na coberta do navio há rostos serenos que aspiram a brisa do mar e colhem do Sol a luz ofuscada de nuvens, mas luz. Há gente encostada à sombra das balsas de salvação. Vejo um espaço vazio e um amigo que fuma um cigarro, junto a uma destas embarcações brancas cobertas de lona.

_Alberto!...Que lugar de coube, amigo?

_O porão!... Mas já me pirei, quero que eles se fodam, vou fazer a viagem aqui mesmo.

Ri do seu ar desvairado e decidido. Ao relento do dia e da noite, acordar orvalhado como flores dum jardim surreal que imaginamos.

_Boa, amigo, vou já buscar as minhas coisas à toca dos ratos. Guarda-me um pouco de espaço.

Corri, como se houvesse pressa,  e lembrei-me dos condenados sem o saber que corriam ao trabalho nas câmaras de gás dos campos nazis. Pasta para sabão... Voltei à toca e ao cheiro impossível, sustendo a respiração por momentos e respirando pela boca,  para evitar os vómitos. Porque amo tudo de mim.

Na coberta o ar é puro. Só mar e Céu. Há noite divirto-me na descoberta das Estrelas conhecidas, as Constelações, a Ursa Maior a Ursa Menor, a Cassiopeia, a Estrela Polar, Marte, a Lua. As fixas são os Planetas. As que piscam são Estrelas e há-as cadentes. Marte avermelhado. O fumo do cigarro quase azul  no ar que rareia. Brisa leve. Há corpos espalhados em redor da amurada. E penso no homem que em breve poisará na Lua e eu não estarei lá para ver.

As refeições são tomadas com a ligeireza possivel. Uma das mãos segura o prato e o copo do vinho. A outra faz o resto. O comandante avisara que o mar estava encapelado, tormentoso e haveria balanços frequentes do navio.

O Sol esta manhã nasceu do lado contrário do navio de onde nascera ontem, de onde nos acompanhara desde a saída. Alguma confusão no meu cérebro. O raciocínio lento. E pensar que andamos ás voltas, como num rapto em que os bandidos não quisessem que apreendêssemos o caminho de regresso..

Os Golfinhos acompanham a rota dos navio com movimentos graciosos e risos estridentes.

Sinto que talvez nos queiram transmitir confiança. Saltam e mergulham ,incessantes, durante horas, ou nos alertem para a imensidão da vida que ainda há para viver, ou nos cantem das suas canções de amor.

 

 

06
Set08

SER TIO AVÕ E SER AVÔ - TRÊS MOMENTOS DE MIM

samueldabo

A terceira geração de mim, começou com o Tiago, há 29 meses, e foi uma emoção, a festa  comemorativa do evento reuniu a segunda e a primeira gerações, num ambiente em que se esqueceram quezílias antigas e se progonosticaram bons ventos ao bebé que nos olhava de olhos semi  fechados, como se adivinhasse que os vultos à volta o saudavam na alegria  da criação. O Tiago desenvolveu-se em harmonia do corpo com a alma e é hoje um bonito menino, falador, traquina e na senda do saber sustentado. Ao Tiago de quem sou Tio-Avô, a minha saudação muito especial para que a vida lhe sorria e ele seja um homem do futuro.

Ao meu sobrinho Rodolfo, pai do Tiago, a quem a vida pregou rasteiras de rondar a tragédia,  a minha saudação amiga e fraterna e o desejo que consiga inverter a vontade do corpo e do submundo da mente, para benefício da alma. E estendo os meus desejos de felicidade à Carla, a mãe que tudo gera e à volta de quem tudo gira

Dois meses depois nasceu a Leonor. Não sendo uma bebé modelo, era a minha bebé, a primeira menina de mim. Esperada há anos e sempre adiada por problemas do pai e ou da mãe, ou de não ser o tempo, o seu tempo. Nasceu em berço de ouro e foi uma explosão de carinhos e dedicação absoluta para que crescesse feliz e saudável.

Foi com uma enorme felicidade que acompanhei o seu crescimento. Que lhe soletrei as primeiras letras e a via , atenta, olhando os meus lábios e calando.matreira , a interiorizar o conhecimento. Gatinhando pela casa em movimentos de aprendizagem.

Os passeios pelas ruas da cidade, o parque infantil, os primeiros passos, as primeiras palavras, tantas  vezes soletradas por mim e agora da boca dela, confiante, com clareza e prontidão. Cresceu, e tornou-se numa menina muito bonita. É de uma beleza que me dói. E desenvolve o raciocínio de uma forma precoce que chega a assustar. Esmerei-me demais, penso ás vezes, mas não fui só eu. É um encanto de menina e talvez por ser uma menina, eu fale dela com uma outra emoção. Porque me fascina o ser mulher. Amo-a, como só eu sei amar.

À  Leonor. de quem sou avó pelo lado paterno, o meu desejo que cresça em harmonia do corpo com a alma, que seja amante do belo no seu pleno absoluto e que seja uma mulher do futuro. Cantá-la-ei até ao infinito.

Ao meu filho, pai da Leonor, desejo que faça da justiça uma balança equilibrada e que persista na senda da alma para que a felicidade de momentos seja uma constante na sua vida. Para a Ana Cristina, mãe da Leonor, a alegria de ser mãe, os sacrifícios sobre o seu corpo, para ser mãe. Uma saudação muito especial. Foi, é, uma mulher maior, de grande coragem e amor.

Voltei de novo a ser bafejado pela maravilhosa história da criação no passado dia 4 deste mês. Nasceu o Isaac, um menino de uma beleza expectante, por não ser muito natural que logo no primeiro dia, quando o corpo se faz ainda à realidade do exterior agreste, que os traços do belo se manifestem e se evidenciem, como no Isaac. Longa vida ao Isaac. De quem sou tio avô.  Que tudo lhe abra o sorriso da confiança na sua alma. Que seja um homem do futuro.

A minha sobrinha Raquel é uma das mais belas mulheres que conheço, sedutora, alegre, frontal, decidida, inteligente e linda, linda, linda. Sou o tio velho dela, mas fui sempre, desde menina.. Amo-a como só eu sei amar e desejo-lhe força no corpo e ventura na alma para levar por diante a dura tarefa que a espera. Ser mãe do Isaac até ao fim.  Saúdo o pai do Isaac, o Paulo Chora, pela determinação que impulsionou à sua vida e pela dedicação à mulher que é a minha sobrinha dilecta.

Espero, muito em breve, Outubro ou Novembro, poder saudar com a alegria a vinda de um outro neto, o Pedro. Mas até lá, que os meus olhos se alegrem com estas crianças lindas que me aconteceram e que fazem de mim um ser feliz.

 

25
Ago08

A N A B E L A ( III ) DIÁLOGOS DA ALMA

samueldabo

 

Hoje o dia sabe a amoras silvestres. Tenho o cheiro impregnado nas minhas narinas e sabe-me bem aspirar esse aroma idílico, símbolo da nossa ruralidade em vias de extinção.

Vem-me à memória os vagabundos que amamos. A sensação de liberdade absoluta que lhes achámos no olhar profundo em abstração de momentos quando olhavam para lá de nós, para o infinito de nós.

Vejo o teu vulto ao longe que se aproxima. Vens bela como de costume no teu passo encantador que mal poisa os pés no chão do passeio que imagino, como se dançasses sobre nuvens. Trazes um sorriso malicioso e terno, consigo ver a simbiose dos contrários.

E dizes-me com os olhos muito abertos.

 

Tell me a desire

 autor:: Daniel Oliveira

 

 Queres desarmar-me com elogios, é? Não é assim tão fácil... :) - Eu sorrio também. Os meus olhos nos teus olhos que brilham de sentimentos nobres

Anabela.
Tão doce. E o sorriso radiante por me saberes ferido das palavras que usaste.
Achas mesmo que os elogios que te teço a achar-te, são meras loas de adulador barato?
Fazes-me descrer do que eu pensava ter de melhor em mim, o cheiro do carácter impresso nas palavras.
Queres que desista de ti?
Não. Sou mesmo louco e tenciono levar até ao fim esta paixão de te ter como amiga, de te merecer na grandeza dos propósitos.
Diz-me tu que queres que faça. Que me ajoelhe a teus pés, para que os outros que nos vêem façam de ti a ideia de déspota sem piedade?
Que corte um dedo, uma orelha, um pelo do nariz?
Diz-me, mulher de tão bela que se fez incrédula e que eu quero a todo o custo amar como amiga.
Mas tens que dizer já, se mereço a humildade de te olhar, sem que tenha de ouvir dizer sempre o mesmo mote, que te quero apenas enganar, adular, bajular e sei lá que mais...
E estás, desde já, convidada para a nova orgia das palavras e dos conceitos. Acabei de lançar o desafio aos quatro ventos. Podes desancar-me. reduzir-me a pó, pisar-me com os teus pé delicados ou mandar-me pisar para que não sujes nada de ti.
Mas permite que ame a amiga que vejo e sinto em ti.

 


Paraste a uma distância confortável para que não te deixasses seduzir do calor e ênfase das palavras.

O sorriso deu origem a uma gargalhada. Os teus cabelos livres de amarras soltando-se com o teu gesto de cabeça para trás. O teu riso cristalino. E eu Insisto.

Anabela.
Só há uma forma de desmistificar a relutância de me achares merecedor da tua amizade:
Olhos nos olhos, mesmo que à distância.
Fixaste-me de súbito, parando de rir, os olhos húmidos da alegria ou da emoção do riso, os teus lábios voluptuosamente abertos, a reter as palavras que já tinhas na linha de partida do pensamento.

Neo.

Eu falo sempre "olhos nos olhos", ainda que à distância. Se com "olhos nos olhos" quiseres dizer: com frontalidade, verdade, sentimento...Só assim concebo uma conversa.
Dorme bem. Amanhã comento o teu novo texto, hoje já não tenho energia... Dorme bem. E correste por entre áleas de begónias, palmeiras do Brasil, rosas e hortênsias. Numa nuvem de perfumes interligados

Anabela!... Gritei do fundo de mim.
Já me ia deitar. estou seco de palavras e ideias. Mas vieste e para ti, olhos nos olhos, até tivemos uma vitória histórica. E aquele golo do Tiui, o último. Viste?...

Tentei seduzir-te com o futebol. Sei que és fã. E para ti, dizia eu, voltei atrás por um momento para te saudar por teres vindo. Sei que mereces a minha amizade. Quero merecer a tua. Farei tudo para conquistar a tua. É uma questão de vida, para mim. Ter-te por, como, amiga.

 

 

 É o que me proponho. Escrever sobre vidas anónimas que valem as luzes da ribalta ou a fixação histórica e que traduzem a essência de um povo. Primeiro de uma família. Primeiro ainda, ou antes de tudo, a essência de um homem, de uma mulher.

Escreverei por encomenda, preços de acordo com extensão e pesquisa de documentação. Mas com a paixão que o percurso proposto me suscitar.

Aguardo a vossa proposta.

 

J.R.G. 

 

 

  O texto ANABELA (II) encontra-se editado em http://neoabjeccionismo.blogs.sapo.pt

O texto ANABELA (I)  encontra-se editado em http://romanesco.blogs.sapo.pt

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