PAIXÃO EM ANGRA DO HEROÍSMO . cont.3
Sentia a humidade do ar quente a aproximar-se e o corpo dela junto ao meu em pequenas convulsões.
Era um ponto aberto entre a folhagem que se estendia densa e perturbante, ao longo do caminho, o cais da Silveira, a baía em baixo, as pedras de lava e o mar a perder de vista.
- Deste ponto, ás vezes, quando as noites são escuras e o céu está limpo, vê-se um ponto luminoso, longe, S.Jorge , e eu vinha, adolescente, sentir que não estava só, que ali havia mundo, gente. E era um momento de doce magia.
Uma chuva miúda, como pétalas de hortênsias fenecidas, a adocicar o enlevo de estarmos aqui, as tuas pernas um pouco mais expostas, a pele lisa, aveludada a pedir afagos. Os meus olhos.
-É uma imagem bucólica. O sonho construído através dum ponto.
-Oh! As horas! Os meus pais são intransigentes com o almoço de Domingo, tenho de ir.
Vemo-nos mais logo, no café.
Era como uma ordem sem autoridade.
Fiquei a ver o seu corpo de gazela feliz, saltitando as saliências do caminho, espalhando o momento de felicidade, a contagiar o maior número possível , para que não estivesse só.
Na Adega Lusitana, os cheiros, afrodisíacos da comida, a espevitar odores. A terrina da sopa, o queijo branco, o molho vermelho.
A imagem reflectida no caldo, o sabor a beijos que não demos, as horas , digo, minutos que não passam.
Tinhamos marcado encontro no Jardim Duque da Terceira, depois do almoço, desci a rua da Sé, sonhador, eu, sem dar conta dos vultos que subiam ou desciam, e me saudavam.
A Praça Velha animada por grupos de crianças, festa, romaria. Um relance. Viro à esquerda.
A esplanada está cheia de juventude, ditos, ironias, gargalhadas. É Domingo.
No jardim, o perfume. Não, espera. Este é o teu. O inconfundível aroma do cio que já me colaste, como marca e que se distingue por entre os aromas de flores tão variadas como magnólias, tulipas, rosas e hortênsias, araucárias , eucaliptos. Tu. O teu cheiro.
A saia cor de rosa, a blusa branca, insinuante, os óculos em jeito de bandolete , o rosto iluminado pelos olhos verdes irisados de veios escuros, acastanhados, e o sorriso aberto, confiante.
-Olá, Alberto! Adorava ter almoçado contigo.
-E eu! Se bem que me surpreenda ver-te.
-Então?!
Notei um breve tremor nos lábios dela e apressei-me. Pela primeira vez a sentir-me desajeitado.
-Não. não tires ilações . É que eu pensei que tinha devorado a tua imagem reflectida na sopa, ao almoço. Estás linda. És linda.
Soltou uma gargalhada, inclinando o corpo, leve e graciosamente para trás, o brilho dos olhos, as mãos quentes, trémulas, o abraço, vulcão, vácuo, os seios arfantes e os lábios nos meus lábios, num toque suave, sussurrante, pequenos ais, de sabores, de essências.
continua
registed by: Samuel Dabó