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SamuelDabó

exercícios de escrita de dentro da alma...conhecer a alma...

SamuelDabó

exercícios de escrita de dentro da alma...conhecer a alma...

29
Abr08

O MEU AVÔ ERA DO MAR

samueldabo
Respondendo ao desafio da minha amiga TiBéu . Aqui vai

A sua figura imponente, levemente dobrado dos esforços de puxa rede, puxa barco, arriba acima, corre, corre ao saco do peixe que se debatia em angústias de sede súbita e sem remédio.

Na cabeça prateada dos oitenta, o tradicional barrete, faça chuva ou sol. Na orelha, encaixada entre a patilha, à laia de lápis de merceeiro antigo, a agulha de madeira própria para coser as redes. Os pés descalços. Somente no pino do Inverno calçava meia de lã grossa e uns tamancos de sola de madeira.

A camisa de quadrados berrantes, a calça de cotim arregaçada a meia canela, deixando ver o branco das ceroulas e a fita caída que servia para prender quando se metesse na água do mar.

Fui seu companheiro nas pescarias nocturnas, para lhe fazer companhia. Eu que tinha medo do escuro e que, no regresso, o onerava com o meu peso ás cavalitas porque tinha os pés chatos e doíam-me da caminhada de quilómetros na areia leve das arribas.

Por fim cegou e foi a primeira morte da minha vida. O estranho ritual da despedida fúnebre, da maior e mais importante referência do meu ser. Relembro sempre as suas palavras:

COM ESTE TEMPO NÃO ANDES  DESCARAPUÇADO RAPAZ!

E OS NOMEADOS SÃO

Azoriana Azoriana / Açoriana

Pincess-mrt Princess (^-^,)

Cigana CIGANA

Juaninha http://juaninha_pires.blogs.sapo.pt

My thoughts http://my_own_space.blogs.sapo.pt

Lala Passiondance

27
Abr08

TER...

samueldabo

Ter amor, esse sentimento tão profundo, eu em ti e tu em mim, como um só

Ter amigos, intensos, que nos ajudem e que não digam aquela frase torpe " se és meu amigo não me pessas  dinheiro emprestado".

Ter família

 Ter gente que se interessa por nós e gente por quem nos interessamos.

Ter gente que partilha a solidariedade.

Ter trabalho que nos alimenta os ócios.

Ter saúde e alegria por viver.

Ter orgulho de sermos o que somos.

Ter vontade. de viver sete vidas.

Ter sonhos que regurgitam na memória livre e se soltam para se realizarem.

Ter medo que nos usem e abandonem, descartável, sem préstimo.

Ter sorrisos que encantam quem nos quiser descobrir.

Ter a alma romântica de poeta. e espalhar poesia como arma de arremesso.

Ter a faculdade de aprender e de ensinar.

Ter a humildade de reconhecer que nada sabe.

Ter  a mente aberta a novas descobertas.

Ter o homem como fim de todos os motivos.

Ter da arte e do engenho e a ideia da concórdia.

Ter imagem.

Ter valores.

Ter a porta sempre aberta.

Ter uma convivência pacifica com os outros animais

Ter a graça de uma criança e ser feliz

 

 

22
Abr08

PAIXÃO EM ANGRA DO HEROÍSMO - O DESFECHO

samueldabo

No quarto, Carla deitada na cama estreita do hospital. O rosto sereno. O coração palpitante a fazer o regresso, minuto após minuto. Os olhos cerrados sobre as pálpebras. Os braços caídos sobre o lençol, as mãos abertas. Carla, meu amor.

Sentou-se na cadeira que chegou para mais perto da cama e segurou-lhe a mão a recuperar do frio, já morna.

-Carla, grande amor da minha vida. Acorda. Esqueceste? Vamos casar. E os convidados estão à nossa espera. D.Rosa Silva já fez os poemas e mandou fazer a música. Vai ser uma marcha nupcial de Heroísmo a imacular a nossa festa. D. Chica , poeta embora, e amuada por não ser dela a poesia, acedeu a fazer os confeitos . Lala, a tua amiga Lala organizou as carnes e o peixe, vai haver cracas , tchiu , para que não se saiba, é um mimo para os forasteiros. Haverá vinho das lajes do pico, e o aperitivo dos Biscoitos.

Convidámos a Ilha inteira.

 As mesas na praça Velha , e dispostas, também ,nas transversais da rua da Sé, na vereda que rodeia a baía. E longas tiras de passadeira vermelha que percorreremos enlevados na áurea celestial do nosso amor. As flores, as mais belas, de todas as cores e perfumadas de aromas únicos.

Nós a sairmos da majestosa Igreja da sé, os vivas, as flores e outros enfeites atirados sobre  a nossa felicidade. São nove, as pétalas do sonho , que se esbatem levemente no teu rosto lindo. Tão Graciosa vais, no Pico das Flores, percorrendo a via de Santa Maria, esbelta no teu vestido branco e a grinalda , A Terceira que escolheste, sobre o cabelo negro como o Corvo. Abençoados que fomos pelo Senhor Santo Cristo dos Milagres de S.Miguel , esfusiantes de alegria, mais querendo esconder-nos no Faial da tua infância. E ali em frente, do outro lado do altivo Monte Brasil, a despontar da bruma, S. Jorge, irmã quase gémea deste Olimpo que nos acolheu.

Saudámos as pessoas, uma a uma em apoteose humilde e o mar em fundo, imenso, com salpicos de luz. No ar, o estalar dos foguetes em miríades de cor e sons estonteantes.

A terminar uma garraiada de touros à corda. Foi o delírio , meu amor e aí, nós fugimos.

E depois ,meu amor, quando à porta de nossa casa, te tomar nos meus braços, abrir a porta e deixar cair suavemente o teu corpo esbelto na cama que nos irá absorver e te beijar a sós, tu e eu.

E ver-te surgir resplandecente na suavidade da cor da camisa de noite que escolheste para a nossa noite, rosa leve, doce transparência a deixar antever as formas sensuais do teu corpo, meu corpo, como um só

O teu corpo, a pele macia, seda, veludo, e os meu lábios ferventes de tanta paixão, mas contendo-se, percorrendo, poro por poro, os pés delicados as pernas tão bonitas, o sexo rosado e húmido de tanta emoção, o aroma, o teu aroma que me excita, o umbigo, os seios já recuperados da tormenta, os mamilos, pequeninos, os braços, o teu pescoço e ouvir-te arfar, pequenos ais de volúpia, os lábios ansiosos a língua , e penetrar suavemente dentro de ti, e tu em mim, numa plenitude de vontades, aprofundando-nos, em busca dum prazer único e comum, a simbiose plena do amor.

Alberto levantou a cabeça e viu os olhos de Carla luzindo como estrelas, e um sorriso de esperança nos lábios róseos e entreabertos.

-Gostei tanto que não quis interromper, meu amor.

E os lábios uniram-se num prolongado beijo de plenitude absoluta.

21
Abr08

AS NOVAS GERAÇÕES-UM EXEMPLO

samueldabo

No Correio da Manhã de Domingo, a noticia: Turma angaria dinheiro para ajudar professor.

É uma noticia que nos alerta para os valores que subsistem. E nos evidencia que nem tudo vai mal no reino da educação..

O professor disponibilizou a viatura para uma prova de aferição de conhecimentos no terreno.

Houve um acidente sem feridos, onde a viatura ficou muito danificada. Provavelmente o arranjo ficou de fora das coberturas de seguro contratadas.

Os alunos, jovens, disponibilizaram-se em angariar fundos para ajudar o professor e é emocionante a descrição dos meios, a criatividade, o empenho das famílias, da comunidade.

Um exemplo a ser divulgado por todos os meios. É possível congregar valores em torno da batalha pela educação. Afinal as novas gerações têm valores. Não são só cabeças ocas e insurrectas .

19
Abr08

PAIXÃO EM ANGRA DO HEROÍSMO . Cont.10

samueldabo

Voltara a chover. As viaturas de socorro puseram-se em marcha acelerada rumo ao hospital.

A policia colheu elementos do que restava do vestido de Carla. Era preciso manter o silêncio sobre o achado.

A audição de Santiago estava marcada para daí a dois dias.

Mariana chegara a Ponta Delgada, despreocupada, um tom arrogante no andar e olhando as pessoas com sobranceria. Pela sua mente, a imagem de Alberto. Fixar o rosto. Penetrar nele através dos olhos, sentir a dor pelo desaparecimento de Carla. Calcá-lo com um sorriso.

Mariana sentada na esplanada da Avenida no Centro Sol mar . A pôr ordem nas diligências . Relendo os termos da detenção. A sopesar os argumentos que pretendia infalíveis e amanhã mesmo, rebolar-se-ia com Santiago, na cama macia do hotel, a festejar mais uma vitória.

Alberto abriu os olhos e  procurou em redor, a tentar situar-se, lembrar o que acontecera, onde estava.

Olhou a cama vazia a seu lado, as paredes brancas, asseadas e um aroma a elementos desinfectantes, álcool .

Levantou-se, saiu do quarto, um agente de policia guardava a entrada.

-Estão sob protecção. Isto é, a senhora.

-E onde está?

-Levaram-na, julgo que para uma intervenção.

Alberto dirigiu-se a uma enfermeira que passava inquirindo-a sobre Carla. Ela foi informar-se e voltou com a informação que a Senhora estava em coma, ainda, que fizeram uma intervenção para resolver o traumatismo craniano .

Alberto saiu para a rua, um ar fresco matinal, o aroma das flores de mistura com o basáltico das rochas, das pedras de calçada. Passou pela policia para levantar o carro que queria entregar na rentacar .

Viu o vulto de Mariana num dos lados da rua, no passeio. Do outro lado, um homem de porte

atlético, uma barba rala, lábios finos e olhos pequenos, vivos , vigilantes. Era Santiago, pensou, tinha visto uma fotografia no jornal. Era ele. Mariana acenando-lhe para que viesse e ele a atravessar a rua por detrás de um carro que vinha descendente. A cheirar-lhe o cio.

O outro começa a atravessar a avenida e deixa cair algo que trazia na mão, abaixa-se rapidamente para apanhar o objecto. Alberto, os olhos  raiados de sangue fixos no personagem, acelera num impulso imparável, de todo irracional, para além de si próprio, como uma força superior contrária ás sua convicções de pacifista, de homem bom.

Fecha os olhos no momento do impacto, o estilhaçar do vidro da frente, e a imagem horrenda, surreal, de Santiago, a cabeça enfiada no pára-brisas em frente da sua própria cabeça. Os olhos dele, pequeninos como se tivessem dilatado. O sangue.

Mariana soltou um grito de pânico, e tapou os olhos, encolhendo-se. A multidão que se juntou, a policia.

Alberto saiu do carro combalido, teatralizando a surpresa, a casualidade do acidente. O tipo tinha parado a meio da travessia . E, para cumulo, saíra detrás dum carro que passava . Não tivera tempo de nada. Ficou sem reacção.

Olhou Mariana, que se recompusera, nos olhos. Sorrindo sem sorrir e dizendo no silêncio:

-vais ter que arranjar outro macho que te tire o cio.

Foi à policia declarar o acidente, entregou o carro na agência, a participação ao seguro. Livre.

Entrou na pastelaria e comeu uma Dona Amélia, tomou outro café, outra Dona Amélia. Já na rua, acendeu um cigarro e foi seguindo na direcção do Hospital.

 

 

Registed by: Samuel Dabó

16
Abr08

SER MÃE !!!...

samueldabo

Ser mãe. Sentir a vida crescer, o coração, os pés que se esticam, os braços que gesticulam hipotéticos desabafos. Guardar para si, porque não existem palavras que exprimam tamanha felicidade, o desenrolar de cada etapa seguida ao milímetro no écran das ecografias.

Suportar o incómodo do ventre que cresce e que interrompe a imagem harmoniosa da elegância. E continuar a gostar do seu corpo. Porque o seu corpo é casa, é abrigo, é amor.

Ser mãe e ter de conjugar a complexidade de interesses que se perfilam, de afectos.

O companheiro, ainda incrédulo, que não sente nada em si próprio, só a ideia ,e vaga, do  que aí vem, parecendo, por vezes cioso do lugar que, adivinha, está prestes a  perder.

A vida profissional que lhe exige o esforço épico de manter o êxito, para lá do todo que se enovela no interior de si.

Ser mãe e sorrir todos os dias, mesmo quando dói . ou enjoa  alimentos líquidos e aromas mal aceites. Mesmo quando está em desacordo com as palavras, os gestos, as atitudes. A sentir o orgulho, a magnitude, do momento e saber que é ela a essência, que é dela o alimento da vida que emerge, a responsabilidade de proteger , de educar, de acudir quando já não pode rectificar, por toda a vida, até ao fim.

Ser mãe!!!...

15
Abr08

A ILHA DA MADEIRA...O SR. JARDIM E NÓS

samueldabo

A Ilha da Madeira é linda. E não consigo dizer mais nada. Há semanas que guardo em rascunho as minhas impressões sobre aquela que foi a primeira Ilha que visitei. Que me deslumbrou. Mas as palavras não saem.

Sinto uma pressão intensa que me incita a dizer que não compreendo, como já no meu tempo de menino se dizia, da Madeira, que era a pérola do Atlântico. E não compreendo depois de ter visitado os Açores.

A dizer que tenho um estigma que se chama Alberto João Jardim, cravado na memória e me impede a progressão das palavras.

De um lado os prepotentes, arrogantes, ao estilo dos governantes, empresários (Sá), os taxistas. No hotel, paguei a conta com um cheque, porque não tinham multibanco ou visa, a um Sábado. Tendo o cheque sido descontado momentos depois. Que estranhas intimidades. A maior livraria do mundo, ou quase. Corredores e andares pejados de livros, em prateleiras, em mesas, em estendais de cordas e presos por alfinetes de roupa. É uma Fundação!...O Bispo do Funchal é parte. Um casal é parte. Os funcionários são parte. Mas, estes últimos recebem como mais valia a formação. Não há livraria no Funchal que não se tenha abastecido de mão de obra na Fundação livraria Esperança.

Nem tudo é negativo.

Num todo não existe o "tudo negativo". Nem no regime do Sr. Jardim, como nem no Regime do Sr. . Salazar. É preciso ver o saldo. Não em obra, Não em aparato. Mas na substância do Ser.

No outro, a multidão de assalariados, servidores apáticos, submissos, deixa andar, nada de politica, nem de cultura, humildes, assistindo ás tramóias dos amos e senhores, votando intimidados pela dinâmica da vozearia contra os Continentais, Colonialistas e opressores do bom povo da Madeira .

Seria mais fácil, se se tratasse de um outro país. Um povo oprimido pela virulência dum astuto ditador de fachada democrática. Mas a Madeira ainda faz parte do meu país. O povo da Madeira é solidariamente ressarcido pelo povo do Continente, ainda que pareça não o saber, para que tenha um rumo, uma vida sã e não tenha que andar à bolina dum nauta emplumado e sem classificação.

O povo da Madeira, pode contar com a solidariedade do povo do Continente, na hora em que tomar consciência do seu isolamento e quiser pôr fim ás diatribes do senhor Jardim.

Eu, enquanto membro do povo do Continente, tenho vergonha de ouvir sistematicamente as atoardas do Sr Jardim, contra o povo do Continente, contra os membros do povo da Madeira que se permitem discordar da sua faustosa politica de endividamento.

O Sr. Jardim é um funcionário público, como o Sr.Sócrates , O Sr. Cavaco Silva, ou a   Dona Rosa e o Sr. Edmundo da repartição de finanças. Porque estará ele sempre acima da lei, da natural e da institucional?

Sinto vergonha do povo da Madeira, porque o "diz-me com quem andas" fica-lhe mal. Tenho até, muita dificuldade em apresenta-lo  a quem quer que seja. E há tanta gente boa na Madeira. Tanta que podia ser um orgulho Nacional.

13
Abr08

PAIXÃO EM ANGRA DO HEROÍSMO . Cont.9

samueldabo

Alberto como louco, percorrendo a Ilha, ainda na esperança de encontrar Carla com vida, em cada recanto da costa, no interior das grutas do Algar do Carvão, indiferente já, à beleza que tudo em volta exibia.

 A humidade, o sol intenso, ansiedade descontrolada, o tempo a fugir a inviabilizar o reencontro com a mulher que amava tão intensamente. Linda.

 O suor deslizava pelas faces emagrecidas. Sentia dores por todo o corpo. Dores que vinham do interior de si, da memória. Os seus passos entorpecidos pelo cansaço. O desalento a apoderar-se da razão mas a vontade, o eu ser, a comandar ainda os movimentos, a direcção.

Voltou a descer para o litoral. Algo lhe dizia, uma fixação, que era no mar que tudo podia acontecer ou ter acontecido.

Nos últimos dias, o telemóvel tocara de novo algumas vezes. Do outro lado só o silêncio, mas   pareceu-lhe ouvir o som das ondas na rebentação, um som que tão bem conhecia. O mar que tanto amava.

Alberto conduzia o carro como um autómato e mal via os outros automóveis. Fixado no lado direito da estrada. As vacas pachorrentas nos pastos, levantando a cabeça, acenando.

Mariana acabara de levantar voo, para S.Miguel , convocada por Santiago. Revia as últimas peripécias da aventura macabra em que se tinha metido. De qualquer modo não tinha nada a perder. Sorria na perspectiva de encontrar Alberto, olhar de frente , olhos nos olhos, aquele homem com quem se casara um dia. Depois, era urgente livrar-se de Santiago. Um traficante é sempre perigoso, importava-se mesmo  muito pouco pelo dinheiro envolvido.

Estes tipos das Ilhas são uns ingénuos. Pensam que têm o rei na barriga e não contam com as máfias instituídas. Os direitos arduamente instituídos.

Santiago aguardava com serenidade a chegada de Mariana, confiante que em breve sairia em liberdade. Não podiam provar nada sobre o tráfico, nem sobre o rapto. Em última instância daria os comparsas como únicos responsáveis. Apresentar-se-iam como consumidores desesperados . E quanto ao rapto, sim foram eles, queriam pedir um resgate, mas a mulher tinha fugido e não sabiam o seu paradeiro. Santiago a reconstituir os passos dos capangas. A enredar a história para que Mariana não tivesse dificuldade em transmitir as instruções aos capangas.

Alberto. Em frente o Ilhéu das Cabras. A policia marítima tinha vistoriado de perto, com os binóculos. Não viram sinais que os convencessem a subir. Era arriscado. Hoje o mar até parecia sereno, junto ao Ilhéu. A dor de cabeça. O coração arritmado . Implorando a Deus.

Parou o carro a esmo junto à freguesia de Porto Judeu. Fixou os olhos doridos no Ilhéu em frente. Aves esvoaçavam em redor, desciam ás águas, mergulhavam e voltavam a subir, Garças, Gaivotas que nidificavam por ali. O mar batendo em pedras dispersas. Alucinações acudiam ao cérebro . Imagens desconexas. O corpo esventrado de Carla. Ora uma imagem com asas, vestido branco e cânticos melodiosos. O corpo de Carla, esbelto, macio e perfumado, levitando. E viu algo que empurrado pelas ondas batia nas pedras com um ruído seco, a intervalos. Levantou-se com vigor renovado. O brilho do olhos avivado pela miragem.

Esfrega os olhos enquanto desce o declive. Não acredita. Acredita. É uma visão distorcida, mas parece um corpo apoiado numa tábua. Geme baixinho. Reclama de Deus. Sim, é um corpo. Entra pela água a tempo de evitar que uma onda mais forte atire a tábua com violência contra as pedras, ou que a afaste de vez.

Agarra a tábua, o corpo. Levanta a cabeça do corpo tombada sobre a água. É Carla, meu Deus. Grita, abraça o corpo inerte, dizendo baixinho:

-Meu amor. Meu amor. Meu amor.

O corpo está frio. Alberto não sabe nada de primeiros socorros. Deposita o corpo de Carla no chão seco e procura atabalhoadamente o telemóvel. Marca a emergência e dás a localização, com vós trémula, exaltada aos pedidos de pormenores.

O corpo de Carla na sua frente. Alberto chora convulsivamente enquanto lhe tira as roupas rotas e sujas. Golpes nos braços e pernas. O sexo, a púbis , sem fulgor, os seios, os dedos compridos a pele porosa, engelhada. fria. Veste-lhe a  roupa que trouxera. As cuecas, uma bata ou roupão, ou robe.

Os bombeiros foram os primeiros a chegar. Fizeram os exercícios aprendidos para os afogados. Tentaram reanima-la e disseram a palavra mágica, suprema felicidade.

-Está viva. Muito fraca, mas viva. É urgente levá-la para o hospital.

Alberto ouviu as palavras e tombou inanimado, vencido pela emoção e o cansaço. O carro da emergência chegou entretanto, e a policia, e alguns curiosos.

A tábua batia nas pedras e seguia a força da corrente

 

 

Registed by Samuel Dabó

13
Abr08

O ACTO DE CUSPIR

samueldabo

Cuspir, em Portugal, hoje, como ontem, é um acto de cidadania.

As pessoas cospem na sopa. Cospem nas ruas por onde passam. Cospem para o ar, mesmo avisados que o cuspo lhes pode cair em cima. Cospem da janela dos carros em andamento e atingem outros que ás vezes, até nem têm o hábito de cuspir. Cospem nos cinzeiros em recintos públicos. Cospem da janela de suas casas e atingem passantes incautos que se incomodam, barafustam, mesmo sendo, eles próprios, activos cuspidores por onde passam. Cospem com raiva.

E eu questiono-me das razões invocadas, os lenços de papel são caros e nem sempre há receptáculos, guardá-los no bolso das calças, na mala de mão, que nojo!

E atento nos ídolos da bola, futebol, por cá e por esse mundo fora, cuspindo com personalidade no relvado,  onde, por vezes, se rebolam em quedas aparatosas, envolvendo-se em cuspo com voluptuosa ansiedade. Cuspindo no adversário que lhe deu uma cotovelada . E tudo isto colocado em evidência, pelos média, duma forma seráfica, apaixonada.

Nas salas, públicas ou privadas, onde a televisão transmite o sórdido  espectáculo, adultos, jovens e crianças que absorvem as imagens e as imitam, excitados.

Os atletas cospem as frustrações e limpam os lábios à camisola. Os cidadãos cospem a inteligência e limpam os lábios ao lenço.

Cuspir é pois uma instituição social Nacional.

E eu digo,  que é tempo de cada um engolir  o seu cuspo, porque a saliva não é um bem perecível, é nosso, ajuda a hidratar , tem sabores e tem cheiros, além de germes que podem prejudicar os outros.

11
Abr08

PAIXÃO EM ANGRA DO HEROÍSMO . Cont.8

samueldabo

Carla, arrancada de repente, com violência, sufocada pelo susto, num primeiro momento, logo ripostando com gritos e pancadas desferidas a esmo e sem um sentido definido, debatendo-se com quanta força possuía e era tão pouca, perante a força bruta da irracionalidade.

Deitaram-lhe um jacto frio de algo que não sabia o quê e quedou-se, inerte, o corpo oscilando nos solavancos do carro, desfigurada.

Acordou, sem saber onde estava, confusa, um ar fresco a entranhar-se na pele fina, a enroscar-se à procura de um agasalho, a boca seca, com um sabor acre a provocar-lhe agonias. O chão duro, basáltico, húmido e o ruído do mar batendo com fragor.

Lentamente foi recuperando a memória. Uma dor incómoda nas faces, no corpo e sobretudo nos pulsos. Sim estava atada com fios, ou nylon, ou corda. Tentou libertar-se, mas doía-lhe .

Decidiu gritar. Talvez alguém a ouvisse.

- AAAAAAAHHHHHH ..... AAAAAAAHHHHHHH .. AAAAAAAHHHHHHH ...

Uma pausa. Nada. Apenas o ruído do mar.

Tentou erguer-se. De onde estava via-se uma claridade difusa. Arrastou-se até à abertura daquele espaço exíguo . Mar e terra à vista. Em baixo a corrente forte fazia parecer que navegava num paquete enorme.

Voltou a sentar-se e tentou recuperar o sucedido.

Estava com Alberto, tão enlevados na descoberta dum grande amor, dizendo palavras ternas, aninhados um no outro, confiantes, entregues. Quis mudar para o lado do passeio e ele ,que não era próprio, que uma senhora quando acompanhada por um homem deveria ir protegida , do lado de dentro do passeio. E ela a esquivar-se, brincando e Zás .

Imaginava-o desesperado. Mas que sitio é este onde me encontro?

A luz difusa era o nascer da aurora que despontava, afastando as brumas para que o sol brilhasse. Carla voltou à abertura a avaliar o lugar. Sim era isso, estava no Ilhéu das Cabras.

Podia atirar-se à água, deixar que a corrente a arrastasse até terra, por milagre ou força oculta da natureza. Mas para isso teria de libertar-se da atadura. Como estava, seria uma morte certa.

Tentou arranjar uma saliência que servisse de fio cortante, mas só consegui ferir-se ainda mais. Os pulsos, ambos os pulsos, um ardor a arrancar-lhe gemidos.

Procurou uma posição mais ao jeito do corpo. Sentia-se fraca e desalentada. Num momento, a hipótese que iria morrer ali sem que ninguém desse por isso, assaltou-a. Desfaleceu, não sabe bem. Nem comer, nem água. O corpo dorido também por dentro, como se abrissem veios para a expurgarem do melhor que tinha. A vida. Sim amava a vida.

Quando voltou a si, o ponto luminoso tinha desaparecido. Voltou a gritar com quanta força ainda tinha. Nada.

Sentia os braços dormentes. Fome. Sede. Há quanto tempo estaria ali? Moveu-se, mudou de posição tacteando uma aresta, e outra. Tentou mais uma vez romper as amarras que se envolviam na sua carne. Insistiu, insistiu, insistiu. Fez um último esforço a ver o efeito e pronto, já está. Esfregou lentamente os braços e os pulsos. Tinha golpes com alguma profundidade, o sangue ainda vivo. Alberto, meu amor.

Levantou-se e mirou o seu corpo, sujo, nojento. Defecara, urinara enquanto amarrada, o pó, o suor. Evocou o Senhor Santo Cristo, O Divino Espírito Santo, Maria Vieira a mártir Virgem, canonizada pelo povo. a Arranjar forças, sem compreender ainda qual o objectivo de estar ali. Quem poderia querer-lhe tanto mal.

Relembrou a história duma amiga do Continente que tinha ido à praia com a irmã, em Carcavelos. E de como caíram nuns remoinhos de água que as arrastava sem que ninguém desse por nada. Lutaram contra as correntes. Lutaram. A irmã dizendo que a deixasse e se salvasse ela. Mas não, foi-lhe alimentando a esperança.

-Nada, nada que vamos conseguir.

E conseguiram. Desfalecidas e sós. Ninguém dera por nada.

Carla foi-se deixando escorregar pelas rochas do Ilhéu e mergulhou parte do corpo na água fria. Uma tábua grande, errante, aportara com a corrente. Podia sentir o fluxo da água arrastando as pernas. Tentou chegar à tábua  que batia na rocha e fugia no ímpeto da ondulação. Os olhos na tábua. A mão que se apoiava na pedra a deslizar. Num último esforço, soerguendo-se e num impulso, conseguiu agarrar a tábua. Depois, fincou os pés na rocha e impulsionou-se a tentar sair do raio de atracção do Ilhéu. Fez várias tentativas e nada. Começou a sentir frio, a roupa colada ao corpo. O Sol no pino da trajectória. Um último esforço, a conjugação com um momento de acalmia e viu-se arrastada em zigue zagues vertiginosos. A Ilha e o Ilhéu, o Sol. num rodopio enlouquecedor . Alberto, meu amor. Alberto, meu amor.

 

 

Registed by: Samuel Dabó

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